10 de agosto de 2012

O copo do liquidificador

Eu adorava quando ele acordava mais cedo, com cuidado ao sair da cama para não me despertar se um sono leve. Adorava fingir continuar dormindo só pra ver seus braços fortes e suas pernas grossas desfilando até o balcão da cozinha. Adorava sua cara meio susto, meio raiva com o barulho que o liquidificador fazia. Ele sempre zelava por meu sono. Sabe que fico de mau-humor quando sou acordado. Mas não era mau-humor. Era teatro. Eu só queria deixá-lo a vontade em sua regata branca e sua cueca estilo samba-canção para que pudesse tomar suas vitaminas direto no copo do liquidificador sem medo que eu pudesse achar aquilo grotesco e mal educado. Mas é que era grotesco e mal educado mesmo! Mas era lindo... O sol que entrava pela janela do apartamento, quando refletia nos seus pelos meio aloirados que insistiam em aparecer por fora da regata, formavam a mais bela silhueta masculina que jamais havia visto. Dentre tantos homens que passaram pelo meu apartamento, pela minha vida, era dele o peito mais bonito! Peito de homem, sabe? Malhado, peludo... Ficava lindo em conjunto com aquelas mãos grossas que seguravam o copo do liquidificador.
Mas já passaram por minha cama, meu apartamento e minha vida, outros corpos sarados, outros peitos peludos. Mas nenhum destes muitos corpos sarados e muitos peitos peludos se rendiam a delicadeza de me acordar de um sono fingido com um sussurrar de Bom Dia no ouvido, seguido de um leve beijo nos lábios. Nenhuma outra regata branca ou cueca estilo samba-canção me pegava pela mão a me levar até torradas quentes e ovos fritos. Ah, aquela boca carnuda que encostava no copo do liquidificador... Nenhuma outra me beijou de forma tão grotesca e mal educadamente linda.

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