13 de maio de 2011

Cláudia e Elisa

Cláudia voltou para seu apartamento quase vazio de móveis, e mesmo morando sozinha, trancou-se no quarto para chorar as dores que parecia trazer na mochila carregada de livros grossos sobre como a arte fez revoluções ao longo da história do mundo. Mas suas dores não eram físicas, e se ainda chegasse a esse ponto, não foi o peso de uma mochila que causara essa dor, mas o peso de uma mão. A mão de Elisa. Aquela mão que outrora lhe fizera carinho, passara delicadamente por cada curva de seu corpo esbelto, fora levantada com raiva a ser descarregada em sua cara.
                Tudo era lindo! Elisa sempre fora uma namorada perfeita; fiel, carinhosa... Gostosa e sabia muito bem usar aqueles dedos... Mas era irrefutável em suas idéias. E Cláudia não aceitava ficar calada perante tudo o que acontecia, ainda mais com ameaças de violência. Mas a amava. Tinha certeza disso. Amava seu hálito quente, amava sua pele macia e seus cabelos cacheados. Não conseguia discutir, não depois de um sorriso safado e durante gemidos surdos num apartamento quase vazio. Mas era só a transa terminar, era só o nervo relaxar que as feições se fechavam. Mesmo que as duas tentassem, era impossível que aquela relação desse certo. “Isso já deu o que tinha pra dar, Cláudia. Parte pra outra”, já havia dito Camila, amiga desde muito antes de se mudarem para a cidade onde fazia universidade. “Além do mais, seu curso ta acabando, em breve você será uma grande estilista, seu nome estará estampado nas melhores vitrines e isso te trará as mulheres mais lindas do mundo!”
                Camila estava certa, Cláudia tinha mais com o que se preocupar, mas não sabia como terminar com isso. Ela tinha certeza que por maiores que fossem as dores de cada briga, nada seria pior que a dor definitiva da separação. Então, pela primeira vez Cláudia se viu em uma igreja. Não que ela acreditasse muito nisso, até brigara muito com a vó que a criou insistindo para que “aceitasse o Senhor Jesus como seu único salvador”, mas se viu a coitada da velha morrer tentando, é por que alguma valia isso devia ter. Então ela foi e pediu um sinal, não sabia direito como pedir isso, mas pediu. Na verdade mais do que o sinal que suas palavras pediam, seu interior pedia uma solução, queria que Elisa, como num milagre, a fizesse uma surpresa, enchesse sua cama de pétalas de rosas e a esperasse nua, deitada nela, dizendo que tudo seria diferente a partir de então. Cláudia era romântica demais, e talvez essa fosse a razão das lágrimas que rolaram enquanto repetia baixo, porém num tom que foi se aumentando, fazendo com que as mulheres de saias compridas e véu nas cabeças que estavam ao seu redor, a olhassem com repreensão e pena. “Deve ser apenas a irmã dela”, ouvia-se o murmúrio nos bancos arredores. “O pastor deveria era proibir a entrada desse tipo de gente na casa do Senhor! Onde já se viu uma mulher chorando por outra?”. Mesmo Cláudia sendo muito feminina, seu choro acompanhado por declarações à Elisa ficava “estranho” demais, até mesmo se fosse para uma irmã.
                De repente, Cláudia se viu rodeada de mulheres cobertas por um véu branco, e um pastor de terno incrivelmente grande e de uma cor no mínimo duvidosa, que mais parecia brigar com a gravata estampada que conversarem, como as peças deveriam fazer quando vestem a mesma pessoa de uma vez. A briga entre terno e gravata só não era mais alta que os gritos sem sentido que saiam da boca bigoduda do pastor, que gritava aos montes, nomes de todos os demônios e satanás que jamais ouvira nem mesmo no terreiro de umbanda que foi com Elisa a pedido de um amigo dela que tinha medo de ir sozinho. Cláudia não podia fazer nada, senão sair correndo de lá. E saiu.
                Assustada, Cláudia saiu de lá às pressas. Não queria mais ser dissecada como os sapos que abria nas aulas de biologia do ensino médio. Mas seu arrependimento passara tão rápido quanto o bip de um celular ao receber uma mensagem. Pois foi isso que aconteceu. “Cláudia, não posso mais me enganar. É melhor a gente terminar logo isso. Com carinho, Elisa” Era o sinal que ela pedira a Deus. Não era nem de longe o que sua alma pedira, mas Deus atendera sua oração e mandou o sinal que sua boca pedira. Era o fim. Era hora de seguir em frente.
                Cláudia voltou para seu apartamento quase vazio de móveis, e mesmo morando sozinha, trancou-se no quarto para chorar as dores que parecia trazer na mochila carregada de livros grossos sobre como a arte fez revoluções ao longo da história do mundo. Mas suas dores não eram físicas, e se ainda chegasse a esse ponto, não foi o peso de uma mochila que causara essa dor, mas o peso de uma mão. A mão de Elisa. Aquela mão que outrora lhe fizera carinho, passara delicadamente por cada curva de seu corpo esbelto, escreveu aquelas palavras que poderiam se resumir em três letras: FIM.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Agora comenta!